Lá pelos idos de 1998, quando não fazia muito tempo que havia ganhado o meu primeiro violão, eu já pude ter uma experiência de convivência em banda. Era uma coisa bem precária, mal-feita, mas era uma ótima diversão.

Junto de alguns amigos que, como eu, ainda despojavam insegurança quando na posse dos instrumentos que escolheram para si, tive uma experiência bacana tocando samba e pagode. Vale salientar que à época eu tocava violão. Hoje, quase dez anos depois, não me considero seguro o suficiente ao violão à ponto de integrar algum grupo em apresentações ao vivo. Imagina como era naquela época.

De todos os integrantes, creio que apenas um tinha conhecimento suficiente para tocar em harmonia com outros músicos. Flaubert, que tocava teclado e era uns cinco anos mais velho que eu, chamava a minha atenção por saber executar com precisão a introdução de Lanterna dos Afogados, dos Paralamas.

Entre ensaios e raras apresentações, a bandinha deve ter durado cerca de quatro meses. O suficiente para eu esticar as orelhas e arregalar os olhos à futuras investidas na música.


No último dia 29, depois de muito relutar, consegui, às cinco da matina, levantar da cama, lavar o rosto e escovar os dentes. Ainda de pijama saí de casa e me surpreendi ao ver grande parte dos meus vizinhos na mesma situação vergonhosa: roupas íntimas, gosto de cabo de guarda-chuva na boca e olhos remelentos. Não vi muita graça no eclipse. Mal escureceu, já começou a clarear de novo. E eu que pensava em ir à praia para acompanhar o fenômeno. Levando em consideração que o litro da gasosa chegou aos R$ 2,70, não foi má idéia ficar perto da cama.

Depois da escuridão, quando o sol já desistia de encoxar a lua, percebi, linda, uma vizinha que há muito não via. Com certeza ela era a única cuja roupa íntima fazia sentido. Ah se houvesse um eclipse por semana!

Pena que ela já voltava para casa. Muito provavelmente também achara essa história de eclipse uma grande bosta. Não hesitei em ir até a esquina para fitá-la mais um pouco. Eis que quando chego ao vértice do ângulo de 90°, ela já havia fugido do meu campo de visão. Mas, qual não foi a minha surpresa ao perceber se aproximando o grande Flaubert. Pelo tempo que ele confessou não usar o teclado, é certo ter esquecido os acordes daquela canção dos Paralamas. Entre lembranças da antiga banda e conversas sobre trabalho, ficamos dividindo o meu óculos de sol para tentar observar o que restava de lua no sol.

Prometemos um ao outro ser testemunha de que vimos o eclipse e que, Sandra Annemberg estando correta, nos encontraríamos novamente, em quarenta anos, para ver o dia virar noite e tirar sarro dos vizinhos.

Só espero que a minha linda vizinha não saia de pijama dessa vez. Ainda falta quarenta anos!