Interior da Biblioteca Câmara Cascudo Parte do acervo disponível para empréstimo na Biblioteca Câmara Cascudo

Todos temos lacunas em nossos repertórios de leitores, ouvintes de música ou amantes de filmes. Dentre as minhas, uma das que mais venho pensando em preencher é Jorge Amado, de quem até hoje nada li e cuja obra só tive acesso através das adaptações para telenovelas e cinema.

Hoje, no meu intervalo para almoço, saí decidido a começar o meu encontro com o escritor baiano.

Costumo almoçar em self-services nas redondezas da Secretaria Municipal de Educação. Um deles é o Pitéu, que fica na Rua Potengi, exatamente em frente à Biblioteca Câmara Cascudo. Desde que o equipamento foi reinaururado após uma reforma quase interminável, eu vinha cogitando uma visita. Hoje, enquanto deglutia a honesta carne de sol da nata oferecida pelo restaurante e observava a fachada da biblioteca, decidi atravessar a rua após pagar a conta.

Fui à biblioteca com três objetivos principais: fazer o meu cadastro para poder pegar livros emprestados, explorar rapidamente o prédio e o acervo e encontrar alguma obra de Jorge Amado. Pelas minhas experiências recentes em visitas a equipamentos culturais reinaugurados nos últimos anos pelo governo estadual - mais especificamente a Fortaleza dos Reis Magos e o Complexo Cultural da Rampa - eu não tinha grandes espectativas, portanto não me surpreendi com a falta de estrutura da biblioteca. Resumo nos tópicos abaixo:

  • Já se passaram mais de dois anos da reabertura e a Câmara Cascudo ainda não dispõe de um sistema digital para cadastro dos usuários e processamento dos empréstimos.
  • A estrutura de ar-condicionado central do prédio não funciona, de maneira que apenas a sala com o acervo já catalogado é climatizada.
  • O acervo disponível para empréstimo não foi renovado para a reabertura da biblioteca, além de não ter passado por nenhum procedimento de higienização. Sem exceção, todos os livros que manipulei estavam muito empoeirados, mesmo se considerando serem exemplarem revativamente antigos.

Explorei com mais atenção as seções de literatura nacional e informática. Nessa última, até pela pouca idade do tema, havia um acervo com livros mais bem conservados, ainda que mal higienizados. Cheguei a folhear e cogitei pegar emprestado um sobre web design, mas era uma edição do fim década de 1990 e as linguagens que o material parecia abordar não seriam úteis para a customização deste blog, a principal razão do meu interesse pela temática.

No corredor de literatura brasileira fui direto à letra A de Amado e no caminho até lá me deparei com a situação já mencionada: acervo desatualizado e, mais importante, mal higienizado. Antecipando-me aos que me acusarão de etarismo editorial, o meu incômodo não é exatamente com a data de publicação dos livros disponíveis. Por mais que eu tenha sentido falta de o acervo da biblioteca contemplar autores brasileiros e estrangeiros contemporâneos, a falta de higienização que tem insistido em destacar tem um manifestação tátil nessa biblioteca estadual. Uma rápida manueada em alguns livros aleatórios foi suficiente para deixar as minhas mãos bem empoeiradas e desencadear reações alérgicas.

Fui um frequentador assíduo da Biblioteca Central Zila Mamede durante a minha graduação e mestrado na UFRN e, tanto entre os livros relacionados nas ementas das disciplinas que cursei, quanto os de literatura e outras categorias que eu tomava emprestado sem obrigações acadêmicas, estavam exemplares com décadas de publicação e amarelados pela ação do tempo, mas ainda assim limpos sem a poeira que encontrei na Câmara Cascudo.

É lamentável que essa situação aconteça naquela que, excetuando-se a BCZM, é considerada a maior biblioteca do Rio Grande do Norte, após anos fechada para requalificação, localizada numa cidade do tamanho de Natal, beirando os 800.000 habitantes e capital de uma das unidades da federação. Esse sentimento fica ainda mais forte após experiências em bibliotecas de outras cidades, como foi o caso da que tive em Medellin no começo desse mês.

Dessa forma, meu debute na obra de Jorge Amado vai ser adiado por mais alguns dias. Vou buscar em algum sebo da cidade ou recorrer ao único que pode garantir uma leitura sem poeira: o Kindle.